quinta-feira, julho 16, 2009
A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS BATISTAS NO BRASIL
A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS BATISTAS NO BRASIL
David Malta
Prezados irmãos:
Honrado pela Junta Executiva da Convenção Batista Brasileira, com o convite, para preparar este trabalho, embora reconhecendo as minhas naturais deficiências, para a tarefa, foi com satisfação que atendi o seu chamamento. Houve-se bem a Junta ao incluir no histórico documento que está elaborando, com vistas à CONFERÊNCIA DA BAHIA, um capítulo sobre a matéria em foco. O tema, por sua atualidade e alcance, efetivamente, não poderia faltar em tão importante conclave. Com efeito, falar da responsabilidade social dos Batistas, no Brasil, nesta hora, é falar de alguma coisa transcendente, isto é, relevantíssima, para os destinos desta grande nação. O assunto vincula-se, por sua natureza e essência, à própria missão da Igreja no mundo, sua obra e testemunho. Felizmente, já agora está havendo entre nós, uma melhor compreensão desse fato. Com o passar dos tempos, desenrolar dos acontecimentos e mais cauteloso exame da verdade bíblica e teológica, parece que estamos ganhando consciência nova da responsabilidade que nos pesa sobre os ombros, de testemunho e ação, nesta hora grave por que passa o Brasil.
I – FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS BATISTAS NO BRASIL.
Não será necessário grande esforço, para descobrirmos, nas Escrituras Sagradas, a atenção especial que ela dedica ao problema da justiça e a ênfase que dá à responsabilidade social dos cristãos. Os salmos, mensagem poética, de extraordinária sensibilidade, estão cheios de recomendações e mandamentos em defesa da justiça, partindo sempre de um pressuposto: o justo caráter de Deus. Creio desnecessário alongar-se, aqui, em citações bíblicas, para a comprovação do que afirmo, visto como dirijo-me, neste momento, a uma Assembléia de Teólogos. Por outro lado, antes mesmo da literatura poética, a que acabo de me referir, lá está o Pentateuco, cujo exame atento e criterioso, colocar-nos-á diante de normas ou mandamentos, os mais incisivos, de como Deus exigia que a justiça fosse observada pelo seu próprio povo. A lição profética, neste particular, é impressionante. Vigorosa é a voz de Isaias a clamar contra a religião formal e vazia, que, por isso mesmo, nenhuma influência ética exercia sobre aqueles que a professavam. Egoístas, perversos, injustos, opressores, na sua riqueza, opulência e desvario, esproba-lhes o Profeta, a conduta miserável. Não é outra a mensagem de Habacuc e de outros homens inspirados. Poderoso no testemunho e ousado na condenação das injustiças sociais do seu tempo foi o boiadeiro Amós. O ministério de Cristo traduz, do princípio ao fim, a sua preocupação, pelo homem todo, como objetivo da sua missão redentora. No chamado Manifesto de Nazaré, definiu Jesus, citando a profecia, o programa do seu Ministério, que foi rigorosamente cumprido, pois as obras acompanharam-lhe sempre a palavra. A exaltação de Maria, anteriormente, no Magnificat, é a um tempo , advertência e profecia. Tiago é simples, prático, objetivo. Sua mensagem é categórica, quando ao dever social dos cristãos. Paulo, de quem se afirma não haver combatido a escravidão, fez tão claras e expressivas recomendações a Filemon, quanto às normas de convivência que deveria observar no trato com Onésimo, que em face delas, impossível seria subsistir a escravidão. Nestas condições, emergem das Escrituras Sagradas os mais categóricos princípios, à luz dos quais, a responsabilidade social dos cristãos não só é privilégio, mas também um imperativo.
II – FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS BATISTAS NO BRASIL.
Os fundamentos teológicos da ação social cristã decorrem, necessariamente, dos princípios e postulados bíblicos que a informam. Antes de examinar as bases teológicas do problema, cumpre realçar um fato de maior importância. Ei-lo: Mensagem transcendente e eterna, por sua significação finalista e teológica, o Cristianismo, se, por um lado, dá ênfase especial, ao sentido escatológico da fé, visa, também, o homem na sua existencialidade, dentro da complexa realidade social em que vive. Por isso, escrevi algures: “Estes problema não pode ser colocado em termos de opção: evangelismo ou obra social. Não existe à luz do Novo Testamento semelhante alternativa. O ensino de Jesus Cristo, como se vê, por exemplo, de Mateus, 10: 7 e 8, não deixa dúvida. Evangelizar é proclamar o Reino de Deus; evangelizar é humanizar, amar, fazer bem ao próximo. Nossa tarefa é, pois, realizar a obra neste duplo sentido”. Na sustentação desta tese, por força da qual, impõe-se-nos o Cristianismo, como mensagem totalizante, (para não usar a palavra totalitária, já comprometida), global, integral, darei pouca ênfase a fundamentos outros, que poderiam ser aqui aduzidos, para ocupar-me, em especial, dos fundamentos teológicos do problema. Quero, antes de mais nada, fazer uma ressalva. A preocupação pelos aspectos ou implicações sociais do Cristianismo, nada tem que ver-se com o simplismo de certas correntes religiosas e humanistas, que tangidas por um otimismo exagerado e inautêntico, julgavam ser possível o estabelecimento do Reino de Deus na terra, como resultante das transformações sociais advindas. Essa euforia do “Evangelho Social” e das doutrinas que se lhe avizinham, foge à realidade e não encontra qualquer apoio nas Escrituras Sagradas. Outra coisa, entretanto, é a luta consciente e fundada no realismo bíblico, para que vejamos no mundo a influência do Reino, seus princípios, métodos e propósitos. Quanto a isto, temos o direito esperar o aparecimento das marcas e sinais do Reino neste mundo, visto como, a descida de Jesus Cristo, real incursão da eternidade no tempo, traduz-se, finalmente, pelo Senhorio do Deus-Humanado sobre todas as coisas: A Igreja, a História, os Reinos e Domínios deste mundo. Tudo isto decorre do fato extraordinário de que o “Verbo se fez carne”, habitou entre os homens, “sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens. E achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte e morte de cruz. Pelo que Deus o exaltou soberanamente e lhe deu o nome que é sobre todo o nome. Para que ao nome de Jesus Cristo se dobre todo o joelho dos que estão nos céus e na terra e debaixo da terra. E toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai”. Foi pelos caminhos da encarnação que a obra da redenção se manifestou. E quando Jesus Cristo chegou ao clímax desta jornada, na cruz do Calvário, consumando a sua obra, realizou, em nome do Pai a reconciliação de todas as coisas. É assim que nos ensina São Paulo, quando aos Colossenses escreve: “Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude Nele habitasse. E que, havendo por Ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio Dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus”. A encarnação de Jesus Cristo é, pois, a chave do problema. Ela é que nos dá a razão fundamental de uma ação completa, plena, ampla no mundo. Não posso furtar-me ao prazer de citar aqui as palavras do Professor e Pastor Joaquim Beato, eminente teólogo presbiteriano brasileiro. Diz ele: “Porque em Cristo o Reino está aqui, não em promessa, mas realmente. A encarnação, porém, não é importante, apenas, como uma projeção da eternidade no tempo, do Reino de Deus na História do mundo, da graça de Deus vis-a-vis o pecado e a corrupção humana. A encarnação é importante como padrão para nossa atitude em relação ao mundo como campo de atividade da Igreja. Porque encarnação significa identificação, aceitação sem reservas de toda a condição humana pelo Filho de Deus”. Adiante, afirma o autor: “Se Cristo desceu até onde o homem estava para encontrá-lo e salvá-lo, a Igreja tem que ir também aonde o homem está para levar-lhe a Boa Nova de Cristo. Ora, para transmitir-lhe essa Boa Nova a Igreja enfrenta o problema da comunicação”. Donde se conclui que a Encarnação de Jesus Cristo dá-nos, por seu caráter de presença, identificação e compromisso, o mais amplo fundamento teológico, para agirmos no mundo. À Igreja, como corpo de Cristo, no mundo, cumpre continuar a sua obra de reconciliação, tal como nos ensina São Paulo, na sua II Epístola aos Coríntios: “E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo e nos deu o ministério da reconciliação. Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação”. Paulo ensina, quando escreve aos Colossenses, que essa reconciliação se dirige a todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus. Isto significa que a obra reconciliadora de Jesus Cristo tem um sentido cósmico e total. Vale dizer, ela envolve todas as relações possíveis e imagináveis. A responsabilidade social da Igreja terá de ser levada às últimas conseqüências. Onde houver o litígio, a discriminação, a separação, a barreira, a luta de classes, o preconceito racial ou de outra natureza, a abastança e a miséria; o grande e o pequeno; opressor e oprimido, aí terá de se encontrar, forçosamente, a Igreja, com serva, ainda seguindo o exemplo do Mestre, para harmonizar, reconciliar, humanizar, a fim de que se cumpra a palavra do Profeta: “Todo o vale será exaltado, e todo o monte e todo o outeiro serão abatidos; e o que está torcido se endireitará, e o que é áspero se aplanará”. Há que realçar, ainda, o que de passagem já foi dito. A obra social tem muito a ver com o problema da comunicação da verdade cristã. Se a Igreja “não falar em linguagem inteligível àquele a quem traz a mensagem, não poderá cumprir sua missão”. “É aqui”, escreveu o autor que acima citei, “que a ação social como um dos meios de expressão da mensagem salvadora tem seu lugar. Porque ao descer ao nível daquele a quem vai proclamar o Evangelho, ao colocar-se dentro da sua condição, numa tentativa de identificação, a Igreja percebe que só lhe pode falar na linguagem da preocupação por sua condição social, por seus problemas econômicos ou de outra natureza”. Por outro lado, o problema da comunicação está estreitando vinculado a um outro, que lhe é correlato. É o que se poderia chamar de credenciação. O testemunho da fé, queiram ou não, está diretamente relacionado com o caráter, a qualidade, a natureza, o back-ground, enfim, as credenciais daquele que testemunha. A mensagem cristã será tanto mais válida, para aqueles a quem pregamos, quanto maior for a nossa autoridade, pela sensibilidade humana e evangélica com que nos preocupamos com os seus reais e angustiantes problemas. Foi o que ensinou Tiago, ao dizer: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento cotidiano. E algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquietai-vos; e lhe não derdes as coisas necessárias para o corpo, que aproveito virá daí?” Não tenhamos dúvidas para proclamarmos a verdade que possuímos, impõe-se que, para tanto nos credenciemos, se a queremos aceita, pelos sofredores e oprimidos. Teremos de demonstrar por palavras, atos e ações, o nosso empenho pelo homem em toda a sua condição, dentro do quadro de sua existencialidade, não como quem quer salvar a alma, dissociando-a do corpo, mas, vendo no homem uma unidade e, como tal, apresentando-lhe a redenção completa que o Evangelho nos trouxe.
Isto, sem falar na dignidade do homem, que à imagem e semelhança de Deus criado, por natureza e condição moral, tem direito a uma vida plena, para que se possa realizar, como pessoa humana o alcançar os seus mais altos destinos. Se a Igreja, pelo seu indiferentismo, fecha os olhos às condições sub-humanas em que vivem milhões de brasileiros, entendendo que lhe foge à competência semelhantes preocupações, estará, não haja dúvida, correndo o perigo de não ser ouvida, também, por esses milhões. Tem-se, muitas vezes, repetido as palavras de Jesus, “meu Reino não é deste mundo”, como justificativa para uma atitude de alheamento, indiferentismo, alienação em face dos problemas sociais da nossa época. Creio haver sério equívoco nesta exegese e pouca teologia nesta hermenêutica duvidosa. Por certo que o Reino de Cristo não é deste mundo, isto é, aqui não tem a sua origem, daqui não procede, não tem natureza terrena, contingente, finita, temporal. Séria, claro, negação de toda a doutrina bíblica e de passagem já o disse, como entenderam alguns do passado, pretender-se estabelecer o Reino de Deus na terra, no seu caráter finalista e escatológico, apenas, mediante transformações sociais. Mas, entre este pensamento e o reconhecimento de que devemos salgar as relações humanas, vai uma distância muito grande. O Cristianismo é sal e fermento e, assim terá de ser interpretado e posto em prática. Não porque esperemos estabelecer no mundo o Reino de Deus, mas, para que aqui tenhamos, como disse Jacques Maritain, cujo pensamento não me canso de citar pelo menos, uma província do Reino. O Ministério de Cristo foi todo ele marcado pela preocupação de alcançar o homem em toda a sua dimensão, se assim posso dizer. A experiência da Igreja primitiva teve bem vivas as marcas do amor. Tão importante é a justiça, para Cristo que Ele a relacionou com o próprio ato de julgar e galardoar os homens, na sua segunda vinda, como se vê de Mateus 25. Face ao que acima foi dito, é fácil compreender-se o significado da responsabilidade social dos Batistas no Brasil.
III – A PROBLEMÁTICA DO SÉCULO
Não desejo continuar, sem antes, embora de passagem, dizer uma palavra sobre este tópico. Cada época tem a sua problemática, ou seja, o seu problema agudo. Parece que os fatos e acontecimentos dão tal relevo a certas tendências, que elas se tornam dominantes e avassaladoras. Isto não ocorre por acaso. Emerge dos próprios fatos e do dinamismo histórico. Bem semelhante às águas represadas, que em dado momento, como uma avalanche precipitam-se como impetuosidade assombrosa. Se os séculos passados tiveram, como sabemos, sua problemática, tal como ocorreu face ao problema da liberdade, a do presente século, graças a uma série de fatores, inclusive a industrialização e a explosão demográfica, bem como tantos outros, a problemática do presente século, dizia, e a aguda questão da justiça. A liberdade, chega a dizer um eminente autor contemporâneo, perdeu mesmo o sentido o frustrou-se, ante os enormes óbices que lhe foram criados pela ausência da justiça ou antes, pela injustiça. Ora, nós afirmamos e com razão, que o Cristianismo é a solução para todos os problemas do homem. Assim o cério, porque é ele a mensagem eterna e verdade divina. Entendo, entretanto, que a imutabilidade da verdade que proclama não lhe tira a vocação dinâmica, antes a estabelece, para enfrentar e responder à problemática de cada época. Quando estava em jogo o problema da liberdade, de consciência e religiosa, Deus levantou os reformadores do Século XVI, para a grande causa da libertação, daí resultando as grandes conquistas dos séculos seguintes. Pois bem, o Cristianismo e, mais ninguém terá de dar a resposta hoje à grande interrogação que está diante do mundo: justiça ou aniquilamento?
IV – A REALIDADE BRASILEIRA.
Mostrou o Padre Lebret em livro há pouco publicado, intitulado, “Suicídio ou Sobrevivência do Ocidente?” os desníveis em que vive a humanidade. De todos os pontos de vista. Não só em relação às populações, como também, no que diz respeito a nações e povos. Desníveis culturais, sociais, econômicos, quanto à saúde e a dignidade da pessoa humana. Ora, um exame da realidade brasileira, mostrar-nos-á um quadro semelhante, de vergonha e dor. Os desníveis no Brasil começam pela diferença de condições entre as suas várias regiões. Por exemplo, um Sul no caminho do progresso e o Norte e o Nordeste sacrificados em extremos. Por outro lado, em todo o território nacional, é gritante a diferença de condições sociais entre os que regiamente vivem, ao lado da pobreza extrema, miserável e sem oportunidades. O êxodo rural, pela falta de condições de vida no interior, criou e agravou os problemas urbanos, com o surgimento das favelas, mucambos, malocas, palhoças, palafitas, etc. nestas condições, a mortalidade infantil, sobretudo em determinadas zonas, chegam a índices assustadores. Predomina o analfabetismo, o pauperismo, a subnutrição, a fome, a miséria. O nosso caboclo é um homem doente. Grassam as doenças endêmicas. É grave o problema da saúde. A média de vida, como o afirmam os estudiosos, chega a 27 anos, em certas regiões. O menor abandonado constitui-se em um dos mais graves problemas. Enquanto isto, as relações dos que trabalham a terra com esta são precárias e desumanas. Deixo de transcrever estatísticas e citar autores, visto como este tópico visa, apenas, chamar a atenção para o problema, sendo certo que já se vai tornando longo este trabalho e é preciso apressar o seu término. Isto significa que a nossa responsabilidade social no Brasil, terá de levar em conta as condições objetivas e as situações concretas que estão diante de nós.
V – OS BATISTAS NO BRASIL.
Já se passaram algumas dezenas de anos, desde que os Batistas chegaram ao Brasil. Preocupou aos irmãos missionários a obra evangelística. Colégios também foram fundados com o mesmo objetivo. Compreendemos a prioridade. Era justo que assim o fizessem, embora, quem sabe, alguma cosia pudesse ter sido iniciada no campo específico da ação social. De qualquer modo, não os críticos. Sou-lhes grato pelo Evangelho que trouxeram à nossa terra. Creio, entretanto, que agora, quando estamos pensando em termos de reestruturação, readaptação, renovação, adequação aos tempos novos, como a demonstra a Conferência em preparativos, que só pode ser levada a crédito da compreensão e sensibilidade das Missões, que a idealizam e a quem coube a iniciativa, ao elaborarem o documento que está sendo apreciado pela Junta, creio, dizia que agora é tempo de encararmos mais de perto e com audácia o problema da nossa responsabilidade social, para com o nosso povo. Esta é uma hora crítica, quando, inclusive, forças outras estão em ação, enquanto, parece, dormimos indiferentes. Ninguém ignora o que se está passando no Brasil. Ninguém ignora o empenho com que trabalham correntes ideológicas várias, na disputa da primazia, pela imposição de sua influência no Brasil. Esta é a nossa hora. Estaremos preparados para ela? Aí é onde está a minha grande dúvida.
VI – DUAS FACES DE UM MESMO PROBLEMA.
Creio que a nossa responsabilidade social expressa-se, pelo menos, sob duas formas gerais. É um mesmo problema, dentro de dois aspectos, com duas facetas. Faço, por conseguinte, distinção. O primeiro aspecto da nossa responsabilidade, do ponto de vista prático, dinâmico e concreto, prende-se às atividades assistenciais ou de beneficência, que possamos realizar. É o que chamaria de ação social, em sentido restrito. Aí se inclui todo um conjunto de obras sociais, visando o benefício das pessoas, sua recuperação, regeneração, redenção. Mas, a verdade é que temos de reconhecer que esta atividade, esse tipo de ação, não esgota a nossa responsabilidade. Cedo descobrimos que não nos podemos limitar aos efeitos, de que resulta aparecer o nosso trabalho, como uma espécie de paliativo. Note-se que não desprezo essa forma de ação. Apenas, estou dizendo que ela não pode esgotar o conteúdo da nossa responsabilidade. Descobrindo que estamos tratando a doença pelos seus efeitos, verificamos, então, a necessidade de examinar-lhe as causas. Aí é que vamos esbarrar com as estruturas sociais, com aquilo que está no arcabouço ou contextura da sociedade. Quando a Igreja chega até aí, reconhece ou deve reconhecer que a sua presença terá de significar, também, identificação, que sua identificação terá de significar julgamento, que o seu julgamento terá de significar ação, que sua ação terá que produzir as transformações estruturais condizentes com a justiça de Deus, ensinada pelos Profetas e expressa no Novo Testamento. Ocorre, entretanto, que julgando e tentando modificar, encontrará a Igreja, sem sombra de dúvida, a oposição, a resistência, a revolta. Aí é onde está o ângulo mais grave do problema. Que fazer? Para este testemunho, só a graça de Deus nos capacita. Por outro lado, é preciso, para tanto, criar instrumentos de ação. Alguns têm chamado este equipamento de ideologia. Por enquanto, não chega a tanto. Mas, o certo é que temos de adquirir, fundados nos princípios do Evangelho, critérios que nos assegurem uma ação correta, dinâmica, propulsora. Quero deixar bem claro o meu pensamento, segundo o qual, a Igreja nunca se pode identificar, nem o Cristianismo, com um determinado sistema político, econômico e social. A Igreja paira sempre acima dos sistemas, pois a luz da justiça de Deus, julga-os, sobre eles deve influenciar, finalmente, condena-os quando isto se faz necessário. Todo sistema por sua origem e natureza, esgota-se no tempo. Nunca a Igreja, que é eterna na sua mensagem e propósitos. Não há como retirar ao Cristianismo esse caráter de presença e transformação. A História está cheia de exemplos, de como o Cristianismo alterou, mudou, reformou idéias, conceitos e instituições. Não seria nesta altura do século que iríamos enveredar por caminho tão ilógico quão absurdo. Para além da obra eterna de redenção da alma, o Cristianismo tem uma missão histórica inarredável, humanizando a cultura, levando conteúdo ético às relações humanas, sob todos os aspectos imagináveis, transformando as estruturas injustas e proclamando a soberania ou senhorio de Cristo no mundo. Feita a distinção acima, passo a considerar possíveis formas de ação, dentro destas duas grandes molduras.
VII – AÇÃO SOCIAL EM SENTIDO RESTRITO.
As formas de ação decorrem das condições objetivas com as quais nos defrontemos. A realidade brasileira é tal, que um número delas poderiam ser mencionadas. Elas podem ser executadas, pela Igreja local, quer por órgãos especializados, de caráter geral. A propósito, é preciso insistir em um ponto. Deve-nos preocupar o fato do que é urgente que demos uma ênfase maior ao sentido comunitário da vida cristã. Às vezes, tenho a impressão de que os laços de comunhão se estão enfraquecendo entre nós. Não esta comunhão meio formal e convencional. Mas, a comunhão existencial e de relações. Parece que o liberalismo econômico e político exerceu muita influência sobre a Igreja, de sorte que os nossos padrões de vida tendem bastante para um certo tipo de individualismo distraído, senão exclusivista e alheio ao que se passa com o nosso irmão. Ir bem na vida, resulta mais de um conceito burguês, que vincula a ordem material das coisas do que noutro sentido mais cristão e humano. Quero dizer que a Igreja precisa desenvolver o sentido comunitário da vida, a começar dela e nas suas relações internas, para daí partir na direção da comunidade que a cerca. É, pois, preciso criar pontes, isto é, falar aos que nos cercam com a linguagem dos fatos, ao alcance de sua compreensão. Os projetos de ação social podem, como disse, destinar-se à Igreja local, como também, ser executados pela Denominação, por uma Junta, por uma Convenção, etc. Vou mencionar algumas idéias possíveis, sem entretanto, classificar o que destinaria a uma iniciativa local, regional ou global. Vamos aos exemplos seguintes:
1.Criação dos Serviços Médicos, Centros de Saúde ou Ambulatórios.
2.Promoção de Certames, sobretudo, nos centros de população mais humildes, para desenvolver a educação sanitária adequada, bem como, Medicina Preventiva.
3.Escolas anexas, como jardins de infância e outras atividades correlatas.
4.Criação e realização de cursos de orientação pré matrimonial.
5. Criação de creches junto às Igrejas, sobretudo, nos grandes centros uranos.
6.Organização de cooperativa de produção, consumo e crédito.
7.Organização de Centros ou Casas para estudantes, como já foi recomendado anteriormente.
8.Campanhas ou movimento de alfabetização de adultos.
9.Criação de Institutos Rurais, com vistas ao preparo da juventude para as atividades relacionadas com a vida do campo.
10.Organização de Instituições que possam amparar menores órfãos e abandonados.
11.Organização de Instituições de amparo à velhice desamparada.
12.Participação em organizações de bairros, que visem o bem da comunidade e mesmo à adoção de iniciativas para fundá-las.
13.Adequado planejamento para recuperar ou ajudar as autoridades a recuperar menores delinquentes.
14.Estudos, sério e adequado planejamento, para evangelizar as mulheres decaídas.
15.Adequado planejamento de uma ação a ser desenvolvida, em face do problema penitenciário, inclusive, depois que deixa a prisão.
16.Organização de Albergues nos grandes centros, onde possam as pessoas que vivem à margem da sociedade, receber um pouco de conforto material e espiritual, pelo testemunho eloqüente do evangelho.
17.Adequado planejamento, no sentido de serem organizados Hospitais em alguns pontos do país.
18.Incremento do insipiente trabalho que temos no Departamento de Treinamento, de orientação vocacional ou profissional.
19.Enquanto não a sonhada Universidade Batista, empenho cada vez maior deve ser feito, no sentido de proporcionar aos moços condições, para que venham aos grandes centros, frequentar as Faculdades do Governo, existentes. A criação de pensionatos, para moças e moços muito auxiliariam neste particular.
20.Engajamento nas Campanhas contra o alcoolismo, ou promoção das mesmas, com vistas a recuperação e evangelização dos alcoólatras.
21.Planejamento adequado do problema da recreação, com a criação de Centros para este fim. Imagino que nas grandes cidades isto seria possível, com a aquisição de propriedades, por parte das Igrejas, de uma determinada região, para o fim mencionado.
22.Programação especial visando atingir de todos os modos o operário, de modo a proporcionar-lhe orientação necessária sobre assuntos que lhe diga respeito.
23.Promoção de Certames sobre a saúde, a educação, a higiene, a economia.
24.Organização de cursos de orientação doméstica, tais como, corte e costura, culinária, etc.
25.Outras iniciativas do mesmo gênero
Para o planejamento de um programa desta natureza haveria que reunir recursos de todas as fontes. Creio que ele cabe dentro do sistema cooperativo, isto é, o sistema reinante entre as Missões e a Convenção Batista Brasileira. Para que, entretanto, o programa fosse convenientemente equacionado, com a adoção dessas sugestões e outras, pois nos limitamos a dar exemplos do que poderia ser feito, seria necessária a realização de um Congresso ou Conferência de Líderes. O assunto é tão complexo que demanda a realização de Certames ou Conclaves que só a ele se dediquem. Poderíamos planejar uma Conferência para o fim mencionado, com a participação de técnicos, orientadores e pessoas interessadas, para que tudo fosse minuciosamente estudado: Programa, assuntos prioritários, métodos, órgãos executores, financiamento, etc. Por isso, continuo a sustentar a idéias de que a Convenção Batista Brasileira deveria passar a reunir-se, de dois em dois anos, para que tivéssemos mais oportunidades para estudos desse tipo.
VIII – AÇÃO SOCIAL EM SENTIDO LATO.
Disse-o acima e o repito agora, a realização de atividades sociais em sentido restrito, não esgota, nem de longe, a nossa responsabilidade. Concluímos logo que teremos de ir às causas de muitos males e problemas. Certamente que aí nos encontramos em um campo mais amplo e por que não dizê-lo numa situação mais complexa. Há que distinguir, em primeiro lugar, aquilo que a Igreja deve e pode fazer, como tal, diretamente e aquilo que ela terá de fazer, indiretamente, ou seja, através dos crentes, como cidadãos. Creio que aqui poderíamos acolher algumas das sugestões oferecidas pela Carta de Informações da Federação Protestante da França aos líderes evangélicos daquela nação, recentemente publicada. Eis algumas recomendações de como podem as Igrejas agir face ao complexo problema:
1.Oração em favor das autoridades pelas vítimas da injustiça.
2.Pronunciamentos ou declarações da Igreja, (diríamos da Denominação) em situações concretas, em que tanto para os homens, como para a comunidade, estejam em jogo a justiça, a liberdade, a dignidade e a paz. Essas diretivas devem sempre estabelecer estreita relação entre estes princípios e as exigências da revelação bíblica.
3.A Igreja não estará preocupada em se tornar popular face à sua responsabilidade, de proclamar a justiça, nem se retrairá porque a sua posição coincida com a de outras forças.
4.Não separando nunca suas intervenções no domínio Político-Social de testemunho que ela deve a Jesus Cristo, Senhor da Igreja e do mundo, a Igreja se esforça por indicar o mais claramente possível os motivos que a levam a ação.
5.Isto não quer dizer que a Igreja deva imiscuir-se na política partidária. Ela, já o disse, paira acima dos sistemas e das organizações humanas. O seu testemunho ainda é profético falando em nome da justiça e à luz da revelação de Deus.
Mas, temos de reconhecer que a grande tarefa da Igreja é preparar os crentes, para o testemunho pessoal. Necessariamente há coisas que a Igreja, como tal, não pode não deve fazer, visto como pertencem ao Ministério pessoal do cristão. Entretanto, cabe à Igreja preparar, orientar, ajudar os crentes para que sejam bons cidadãos. Eles têm a responsabilidade de agir nas organizações de classes, nos centros de atividades, nos sindicatos, nas organizações de bairros, nos Partidos Políticos, nos corpos legislativos, nas esferas governamentais, nos postos de comandos a que são levados. Isto significa que à Igreja cabe instruir. O primeiro passo da Igreja, no que tange ao problema é doutrinar os crentes outorgando-lhes informações bíblica e teológica, que os capacite, dê-lhes visão da realidade e os encoraje a agir. Se estamos tratando de responsabilidade social, com receios ou desculpas, digamos, a seguir: Cabe a Igreja estimular os crentes no conhecimento da realidade que os cerca. Creio, firmemente que a denominação deveria promover um Congresso ou Conferência, para que estudos em profundidade pudessem ser feitos, na realidade brasileira. É minha convicção que a Igreja deve agir positivamente. Às vezes somos tentados a cair na defensiva. Ao invés de proclamarmos o que cremos, passamos a combater, apenas, aquilo que os outros pensam e crêem. Nosso problema não é e não deve ser tanto apologético, mas ético. O cristianismo não precisa de biombos. Terá de subir aos montes, proclamando o descer aos vales, humanizando. Mas, positivamente, e nunca numa defensiva, inclusive de situações que deveriam ser condenadas, combatidas e não resguardadas e amparadas. Dando cabedal teológico aos crentes e levando-os a conhecer a realidade, o que não é muito fácil, dado o caráter técnico de que os problemas se revestem, a seguir incentivo à ação. É um trabalho, sobretudo, de formação de mentalidade. Para isto, é preciso vencer certos receios e tristezas. Numa palavra, é preciso coragem. Se queremos ver o Brasil livre de Comunismo e resguardado de doutrinas que lhe ficam no outro extremo, temos de tomar consciência da nossa missão social, com o Evangelho na mão e a verdade na alma. Vivemos dias de angústia. Estamos em cima de um vulcão. Fugiremos? Esconder-nos-emos? Alheiar-nos-emos? A tal não nos autoriza a nossa fé. Diversa é determinação de Cristo, Senhor da História e da vida, que solenemente advertiu-nos: “Vós sois o sal da terra, e se o sal for insípido com que se há de salgar?” Responda-lhe a indagação dramática, a nossa consciência. Ilumine-nos o Senhor, para esta hora, a todos, brasileiros e missionários, para que encontremos o verdadeiro caminho a trilhar.
Rio 7-4-64
David Malta Nascimento, 90 anos, advogado, é reitor emérito do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, pastor emérito da Igreja Batista Barão da Taquara, Rio de Janeiro, fundador e líder destacado do Movimento Diretriz Evangélica. Participou ativamente da Conferência do Nordeste “Cristo e o processo revolucionário brasileiro”, na condição de membro da Confederação Evangélica do Brasil.
quarta-feira, julho 08, 2009
10 anos - ordenação feminina entre os Batistas
CONVITE
10 ANOS
de ordenação feminina ao ministério pastoral entre os batistas brasileiros
Quero convidá-lo(a) a celebrar os meus 10 anos de ordenação, no dia 10 de julho.
Na Igreja Batista Central em Belford Roxo. Rua Lúcia, 188. Centro de Belford Roxo-RJ
às 19h30.
Pastora Silvia Nogueira
segunda-feira, junho 22, 2009
Sermão do Pr. Carlos César Novaes - DIRETRIZ EVANGÉLICA: Movimento cristão pela justiça
No sepultamento de Martinho Lutero, o luterano Filipe Melanchton citou cinco personagens da história do cristianismo que, em sua opinião, anunciaram o Evangelho com maior clareza: Isaías, Jesus Cristo, Paulo Apóstolo, Agostinho de Hipona e, como não podia deixar de ser, o reformador alemão. Dos profetas hebreus, Isaías é considerado, de fato, o pregador de espírito mais evangélico. Muito especialmente entre os capítulos 40-55, o chamado Dêutero-Isaías, que se dirige ao povo de Israel no exílio babilônico, nos anos 550-540 a.C., com uma mensagem de conforto, esperança e encorajamento. Em Isaías 40.9 lemos:
Você, que traz boas novas a Sião, suba num alto monte.
Você, que traz boas novas a Jerusalém,
erga a sua voz com fortes gritos, erga-a, não tenha medo;
diga às cidades de Judá: “Aqui está o seu Deus!”
O termo hebraico, traduzido aqui como boas-novas (que também aparece em 41.27 e 52.7), foi transposto para a língua grega, na Septuaginta, como evangelho.
A mensagem do Dêutero-Isaías (ou Segundo Isaías) para o povo cativo na Babilônia era uma notícia boa e alegre: “Aqui está o seu Deus”. O profeta queria proclamar às pessoas do seu tempo que, apesar da opressão e do sofrimento, o Senhor ainda conduzia a história e cuidava do seu rebanho (40.10-11).
Ou seja: acima do reino dos homens, repleto de injustiças e opressões, triunfa para sempre o reino de Deus. Por isso, o anunciador de boas novas proclama a paz, a salvação e a certeza de que, afinal, “o Senhor reina” (52.7).
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Não sei ao certo qual é o nome do filme ou do diretor — se for correta a hipótese científica de que a memória humana começa a falhar quando chegamos aos 27 de idade, a minha já está em pleno processo de deterioração há 20 anos — mas recordo bem a cena: alguns soldados do exército aliado abrem o grande mapa sobre uma mesa improvisada no campo de batalha, em meio à escuridão da noite, a fim de planejar as próximas investidas, e depois de conferirem várias possibilidades de locomoção e percurso, um deles pede ao que segurava a lanterna: “Jogue mais luz neste lado do mapa, mais luz neste lado”.
Penso que esta é a melhor definição para o movimento Diretriz Evangélica. Organizado na década de 40 por líderes evangélicos (David Malta Nascimento, Hélcio da Silva Lessa, Lauro Bretones, Himaim Lacerda, Luiz Curvacho, entre outros) que desejavam anunciar as propostas do reino de Deus de maneira integral, o movimento fez uso de revistas, colunas em jornais, congressos e programas de rádio para iluminar um lado do mapa que permanecia sombreado: a ênfase social da pregação cristã.
Eles não se contrapunham à mensagem evangelística das igrejas da época. Queriam, no entanto, que ela fosse anunciada em sua inteireza, e não só no formato de um mero apelo conversionista. Defendiam que a mensagem do Evangelho precisava ser levada ao ser humano como um todo (alma, mente e corpo) e à sociedade em todas as suas dimensões (política, econômica e cultural). Enfim, os participantes do movimento atuavam para que a luz fosse lançada também sobre o outro lado do mapa.
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Identificamos no movimento Diretriz Evangélica os principais elementos da pregação do Evangelho — do mesmo Evangelho que já existia antes dos evangelhos, na mensagem do Dêutero-Isaías.
Em primeiro lugar, um mensageiro que traga boas notícias. Não um profeta do desespero, a ameaçar o mundo com as pragas apocalípticas, ou um lamentador pessimista, choramingando as desgraças da vida, ao estilo da hiena Hardy Har-Har, do desenho de Hanna-Barbera.
O mensageiro das boas novas faz a denúncia e, ao lado dela, o anúncio. Mostra os descaminhos da injustiça e, em seguida, aponta o caminho da justiça. Revela as iniquidades e, também, o caminho da salvação. Fala acerca da condenação e, ao mesmo tempo, chama à conversão e ao arrependimento.
Em segundo lugar, as boas notícias são anunciadas com voz forte. Porque, normalmente, o mensageiro é uma voz que clama no deserto, como João Batista (Mateus 3.1-3).
O mensageiro das boas novas é um solitário. Não por falta de ouvidos: há ouvidos diversos. Mas por falta de ouvintes, pois os ouvidos são surdos.
É necessário que, além de subir a um alto monte, o mensageiro fale em voz alta, se quiser ser ouvido. E que se faça ouvir: como se fizeram ouvir três grandes profetas do século 20: Dietrich Bonhoeffer, na Alemanha nazista, Martin Luther King, na América racista, e Dom Hélder Câmara, no Brasil da ditadura.
Em terceiro lugar, a voz forte deve ser corajosa. Não tanto para enfrentar os inimigos de fora, mas especialmente para resistir aos inimigos de dentro.
Contra os defensores da mensagem integral do Evangelho, levantam-se os mesmos inimigos de sempre, e todos do lado de cá dos muros: a) os herdeiros do fundamentalismo, que só aceitam a pregação nos moldes do apelo conversionista e vivem a declarar que a igreja deve se preocupar apenas em salvar as almas perdidas; b) os propagadores da linha pentecostal e neopentecostal, que costumam alienar-se das preocupações sócio-políticas; c) os antiesquerdistas, que ainda entendem a ênfase social da pregação cristã como propaganda marxista/comunista; d) os politiqueiros, que possuem apenas projetos pessoais de poder e conseguem eleger-se graças a crentes desejosos de favoritismos imediatos.
O profeta é, no mais das vezes, incompreendido e, por causa disso, perseguido, como Micaías (1 Reis 22.1-28). Diferentemente do sacerdote, que ministrava os rituais do templo, o profeta seguia para o meio da praça e falava em nome de Deus ao povo, assumindo os riscos da sua postura.
Em quarto lugar, a coragem de anunciar o reino de Deus no âmbito do reino dos homens. Sim, coragem para dizer: “aqui está o seu Deus”. E para mostrar — de modo especial na realidade observada e vivida hoje no contexto evangélico — que mesmo a igreja pode se afastar dos propósitos do reino.
Allan Neely, numa conferência realizada no Seminário Batista do Sul, advertia que reino e igreja não estão totalmente separados, nem completamente identificados. Há momentos em que a igreja corresponde às expectativas do reino de Deus e períodos em que deles se afasta.
Certa vez, o pastor Hélcio Lessa, um dos líderes do movimento Diretriz Evangélica, sentou-se do meu lado, ao iniciar uma das nossas conversas, e detonou: "Estou procurando alguém que consiga me provar que quando Jesus Cristo pensou em igreja, havia pensado nisso tudo que anda por aí". Fiquei olhando para ele à espera do inevitável complemento jocoso, que não tardou: "E se alguém conseguir me provar que era isso mesmo que o Senhor Jesus queria, vou ter que começar a desconfiar do bom senso do Mestre".
E é bom lembrar que naquele tempo, lá por meados da década de 80, nem tínhamos essa explosão de igrejas neopentecostais, escândalos de pastores sendo acusados de fraudes fiscais, comunidades abertas em cubículos que se denominam sedes mundiais, programas de televisão anunciando curas e prodígios espetaculares, desfiles de pseudoartistas que se apresentam cantando essa música desprovida de qualquer beleza estética e qualificada de gospel, estranhas eclesiologias hierárquicas com seus bispos e apóstolos, e os apelos manipuladores que só pretendem extorquir os desavisados para sustentar projetos pessoais de poder e estrelismo.Numa aguda crítica ao cristianismo institucional, o compositor espanhol Javier Maroto fez uma canção chamada Siete Veces Crucificado.
Nela, Maroto se refere a um homem que, há dois mil anos, nasceu entre os pobres, pregava o amor e a justiça, andava com marginalizados e oprimidos, até ser acusado de traição e heresia. E Cristo foi assim crucificado pela primeira vez.
Depois, a igreja desse Cristo organizou o Santo Ofício e obrigou as pessoas a fazerem e pensarem tão só o que os bispos permitiam, condenando os desobedientes às fogueiras da Inquisição. E Cristo, assim, foi crucificado pela segunda vez.
Vieram, então, os espanhóis para a América, promovendo cruéis massacres das nações indígenas para roubar-lhes a terra e o ouro enquanto as catequizavam para impor a cultura européia. E Cristo, assim, foi crucificado pela terceira vez.Já no século XX, o papa João 23 convocou um concílio para modernizar a estrutura eclesiástica e torná-la mais próxima do povo. Mas os representantes da ala conservadora do clero sufocaram as iniciativas do Concílio Vaticano II e, assim, Cristo foi crucificado pela quarta vez.
Mais tarde, em Medellín, surgiu a Teologia da Libertação para demonstrar — com sua ênfase na justiça social — que não há pobres, há apenas empobrecidos. Novamente se levantaram as vozes conservadoras e perseguiram os defensores dos povos oprimidos. E Cristo foi crucificado pela quinta vez. Na cidade de Madri, continua Maroto, uma dinâmica paróquia acolhia os pobres e desamparados, mas acabou sendo fechada por ordem do Vaticano. Cristo, então, foi crucificado pela sexta vez. Hoje, enfim, o que faremos? — pergunta o compositor. Diante das injustiças e opressões modernas, crucificaremos pela sétima vez aquele que quis optar pelos perseguidos e abandonados?
Parece que os mensageiros do movimento Diretriz Evangélica cultivavam o mesmo objetivo: lembrar a igreja que, acima de tudo, seu grande objetivo no mundo é cumprir os propósitos do reino de Deus, e não construir o próprio reinado.
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Acompanhamos, nos últimos dias, as tumultuadas eleições no Irã. Multidões de jovens, mulheres e trabalhadores iranianos estão saindo às ruas para denunciar supostas fraudes no processo eleitoral e pedir mais liberdade de expressão para os cidadãos. O jornalista Robert Fisk, num artigo reproduzido pelo jornal O Globo, menciona um estudante de engenharia química da Universidade de Teerã que participava dos protestos recitando os seguintes versos de um poeta iraniano moderno: “devemos seguir sob a chuva, devemos lavar nossos olhos, devemos ver o mundo de um jeito diferente.”
Para tanto subia o anunciador de boas novas ao monte. E, com o mesmo objetivo, reuniram-se, décadas atrás, os organizadores de Diretriz Evangélica. Para ajudar-nos a ver o mundo de um jeito diferente.
Carlos César Novaes, professor de História do Cristianismo, é pastor da Igreja Batista Barão da Taquara, Rio de Janeiro, RJ. (Sermão pregado no culto de celebração a Deus pelos 60 anos do Movimento Diretriz Evangélica / 90 anos do Pr. David Malta Nascimento, na capela do Seminário Batista do Sul, Rio de Janeiro, RJ, em 16/06/09).
60 anos do movimento Diretriz Evangélica: Memória, homenagem e compromisso
Na mesa de debates que antecedeu o culto, o teólogo Ricardo Luiz de Freitas fez um breve histórico do Movimento mostrando a relação de Diretriz Evangélica com a teologia da missão integral da igreja, especificamente com o tema da responsabilidade social da igreja, que viria a ser tópico do Pacto de Lausanne, apenas a partir de 1974. Ele destacou as sementes do que viria a ser adotado por Lausanne, pelo menos 25 anos antes pelo pessoal da Diretriz. (O texto completo da apresentação encontra-se neste blog).
Dr. Alexandre Castro falou de uma "história deslembrada" dos evangélicos brasileiros, enfocando que, por interesses ideológicos, tentou-se apagar os grandes movimentos sociais na caminahada do protestantismo brasileiro, como a ação das Ligas Camponeses, com forte presença e participação de evangélicos. Que a história oficial procurou falar de um triunfalismo evangélico deslumbrado, ao tempo que faz uma história propositadamente "deslembrada". E finalizou falando da importância do Movimento que, numa perspectiva dialógica, estabeleceu contato com pelo menos três grupos, a saber: 1) com os evangélicos de uma maneira geral, fugindo do exclusivismo dominante no interior de muitas denominações, 2) com a sociedade brasileira e seus diversos atores sociais, discutindo os problemas de sua época, 3) Com as tendências políticas daquele contexto, como Capitalismo e Socialismo, tendo uma análise crítica consistente de ambos os sistemas.
Pr. David Malta Nascimento fez breve análise da realidade brasileira e mundial hoje e desafiou as gerações mais novas ao compromisso evangélico em suas dimensões sociais e políticas, na perspectiva da construção do Reino de Deus.
O culto teve a participação de grupos vocais e instrumentais, além da congregação que cantou hinos surgidos sob a inspiração dos congressos, publicações, colunas em jornais, através da participação de jovens intelectuais neste movimento, especialmente de 1949 a 1964. O grande homeageado foi David Malta Nascimento, reitor emérito do Seminário, pastor emérito da Igreja Batista de Barão da Taquara e que completou 90 anos recentemente. Ele recebeu uma bíblia das mãos do Pastor Iomael Santana e ouviu um relato histórico do movimento do Pastor Silvino Neto, em forma de poema. (O poema encontra-se neste blog).
A pregação foi proferida pelo Pastor Carlos César Novaes, que baseou-se em Isaías 40.9 e enfatizou a mensagem que destaca elementos nem sempre perceptíveis. Mencionou as dificuldades enfrentadas por pastores que debatiam questões sociais, especialmente na ditadura militar, e lembrou que ao pregar no sepultamento de Lutero, Filipe Melanchton destacou os melhores portadores da mensagem do evangelho: o profeta Isaías, Jesus Cristo, o apóstolo Paulo, Agostinho de Hipona e o reformador alemão. (A íntegra do sermão encontra-se neste blog).
Transmitido ao vivo pela internet, o evento foi promovido pelo núcleo carioca da Fraternidade Teológica Latino-americana (FTL-RJ), com apoio da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas), do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, da Sociedade Bíblica do Brasil (Rio), do Instituto de Estudos da Religião (ISER), da Igreja Batista Barão da Taquara, da Comunidade Batista do Rio, da Juerp e da Faterj.
terça-feira, junho 09, 2009
O MOVIMENTO DIRETRIZ EVANGÉLICA E A LUTA CRISTÃ PELA JUSTIÇA
Data e horário: 16 de junho de 2009, a partir de 19 horas
Programa
O Movimento Diretriz Evangélica foi organizado em 1949 e teve diversas atuações como publicação de jornal, revista, livro, coluna regular em O Jornal Batista , realização de congressos etc.
Eis alguns nomes de seus principais líderes:
Lauro Bretones
Alberto Mazzoni de Andrade
Hélcio da Silva Lessa
Mário Barreto França
Luiz Antonio Curvacho
David Malta Nascimento, (que completou em 22/05/09, exatamente 90 anos de idade).
Este encontro sonhado há cerca de 5 anos, tem como objetivo resgatar um movimento social evangélico e batista muito importante no contexto do protestantismo brasileiro e estimular as novas gerações nas lutas evangélicas pela justiça no contexto do Reino de Deus. Além de prestar justa homenagem aos líderes. Para alguns, homenagem in memorian.
Este encontro é promovido pelos núcleos do Rio de Janeiro da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Rede Evangélica Nacional de Ação Social, com apoio do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.
Pedimos suas orações, apoio, divulgação e presença no evento.
Clemir Fernandes Núcleo Rio FTL-B
quarta-feira, abril 08, 2009
Novo encontro da FTL-RJ
Espírito Santo – Do feminino ao masculino
O teo-lógico como fundamento do antropo-lógico:
Contribuições da pneumatologia a uma teologia de gênero
Este é o assunto a ser abordado no próximo encontro do Núcleo Rio de Janeiro da Fraternidade Teológica Latino-Americana do Brasil. Todos são convidados e a entrada é franca.
A palestra será feita por Alessandro Rodrigues Rocha, doutorando em Teologia (PUC-Rio), que estará lançando também, no Rio, seu novo livro ESPÍRITO SANTO: Aspectos de uma pneumatologia solidária à condição humana.
Comentários e reação à palestra serão feitos por Sílvia Nogueira, teóloga, que é também a primeira pastora batista do Brasil (CBB).
Além destas reflexões, que têm também a teologia da missão integral como pano de fundo, teremos oportunidade de tratar de outros assuntos de interesse de nosso núcleo da FTL, como uma agenda de atividades para este ano e também para o próximo.
Data: 14 de abril de 2009, terça-feira.
Horário: 17 horas
Local: Instituto de Estudos da Religião (ISER) – R. do Russel, 76 – 3º andar, Glória, Rio de Janeiro (Estação Glória do Metrô, saída Viva Rio).
Esperamos você, na força e ternura do Espírito Santo.
Clemir Fernandes
Núcleo Rio FTL-B
P.S. Favor encaminhar este convite aos seus contatos.